Nota: não recomendado a pessoas sensíveis, grávidas de 1ª viagem, homens que não estão interessados neste assunto, adolescentes e crianças em geral. Pode conter pormenores explícitos. Não digam que eu não avisei...
Tudo começou mais concretamente na véspera. Tinha combinado com a minha médica ir ter com ela à MAC para fazer o ctg e ver o andamento da coisa no dia 5 à noite, uma vez que ela estava de banco desde essa manhã até às 9h do dia seguinte.
Tudo ok no ctg, o toque acusou que a qualquer momento a bolsa poderia rebentar (o outro parto começou exactamente com a bolsa a rebentar), e vim para casa com a indicação de ter "cuidado" para que ela aguentasse mais 1 semana até ao banco seguinte da médica, no dia 12. Convém referir que o toque foi do mais suave possível, não houve cá mexidelas para avançar o que quer que seja, aliás, eu não sei até hoje o que é um toque doloroso.
Regressámos a casa, e fomos dormir como normalmente.
Estava combinado que o Tê iria para Lisboa trabalhar de boleia com o pai, às 7h da manhã, e que eu iria levar o baby grande à escola, como sempre desde que estava de férias.
Acho eu que por volta das 5h da manhã já devo ter sentido alguma coisa, pois fui à casa-de-banho com algum incómodo, mas nada de especial.
Por volta das 6h30 comecei com dores. Primeiro uma, depois outra, algum tempo sem sentir nada, para logo depois voltar a sentir.
Resolvi levantar-me e avisar o Tê que era melhor irmos ver de que se tratava, pois não estava em condições de tratar do baby e leva-lo à escola sozinha.
Coincidência ou não, quando chego à sala para avisar o Tê vejo que ele vestiu, completamente por acaso, a mesma camisola que tinha quando o baby grande nasceu.
Já estás! Pensei eu. Vai ser mesmo hoje!.
Ainda tomei um duche e vesti-me, com dores cíclicas mas irregulares, e perfeitamente suportáveis. Fomos depois levar o baby grande a casa dos avós (e não esqueço a cara dele a despedir-se de mim à porta - queria vir ao meu colo e eu fiz-lhe uma brincadeira que costumo fazer para ele se rir, que isto de ser mãe é também ser uma boa actriz, e depois na janela ao colo da avó para nos dizer adeus).
A viagem para Lisboa foi quase à filme. A intensidade das dores ia aumentando, o intervalo entre as dores ia encurtando (sempre agradável). Não chegámos a estar parados no transito, mas lembro-me de pensar que toda aquela gente ia nos seus carros para o trabalho, num dia normal, e eu ia ali em trabalho de parto, a respirar feita louca, mas ainda com tudo sob controle.
Chegámos à MAC pouco antes das 8h, e eu já cheia de dores. A menina da recepção disse que já me chamavam, e eu só lhe respondi "mas olhe que eu já estou cheia de dores", coisa que devo ter dito a partir daqui umas 1000 vezes até ela nascer.
Fui fazer o ctg já quase a rebolar (e a ter de ficar sentadinha amarrada à máquina, claro...), e entretanto chegou a minha médica, que estava a meia hora de acabar o seu turno e ir embora. Disse-me que ainda não estava em trabalho de parto activo, que eram contracções muito irregulares, e que me ia pôr a soro para parar as contracções e ver se ainda aguentava até dia 12. Nisto, foi para uma reunião.
Veio a enfermeira para supostamente me pôr o soro, olha para o ctg e diz que acha uma estupidez pôr o soro, que eu estava cheia de dores (confirma, estava mesmo!) e pergunta se quero que ela me faça um toque só para ver o andamento da coisa.
E aqui começa a confusão...
Eu não queria que ela fizesse toque nenhum, porque se o fizesse iriam rebentar as águas com certeza, e não queria fazer nada sem que a dra soubesse. Ela (que foi entre o querida e o autoritária, mas que no fim tinha razão) a dizer-me (entre uma contracção e a outra, cheira uma flor e sopra uma vela, minha querida) que tem 20 anos de experiência, que a dra vai embora às 9h e que já nem a volto a ver, que eu tenho poder decisão (e eu a dizer que não quero ter poder de decisão nenhum, que só tenho é dores, que não me façam tomar decisões naquele momento! Mandem que eu obedeço, mas não me confundam por favor!). Mandou-me então ir ao wc, vestir a bata, que depois logo faria o que eu quisesse.
Aqueles momentos sozinha na casa-de-banho foram qualquer coisa que jamais irei esquecer. Cheia de dores (mas cheia, cheia, cheia de dores) sem saber para que lado me virar, sem saber se ponho soro ou não, se vai nascer ou não, se existo ou não, como me chamo, quem sou, onde estou...
Visto de fora, penso que deveria ter feito o curso pré-parto outra vez, pois todos os ensinamentos de respiração, relaxamento, posições confortáveis que aprendi há ano e meio, nada me veio à memória, só dois dias depois me lembrei que poderia ter usado isso tudo.
Basicamente deixei que a dor se apoderasse de mim, já só sentia era dor, dor, dor, só me vinha à cabeça que estava cheia de dores e nem sabia bem o que fazer... Entre uma dor e a outra lá consegui tirar uma bota e a outra, uma meia e a outra, as calças, o resto da roupa, e vestir a bela amiga bata. Devo ter feito km em pequenos passos naquela casa-de-banho, parece-me que estive lá uma eternidade, que não foram mais de 15 minutos.
Quando saí já estava mais para lá do que para cá, nem me consigo reconhecer muito bem. Fiquei aparvalhada, pronto, não há outro adjectivo.
Atraquei-me a uma maca, nem sei se trouxe a pasta dos documentos, o saco das roupas, ou se os deixei para trás, e a tal enfermeira veio outra vez ao meu encontro.
Mais uma vez estivemos ali, faz toque não faz toque, posso ligar à dra ou não, nasce não nasce, enfim, uma confusão.
A última coisa que eu queria era ir contra a opinião da minha médica, em quem eu confio a 100%. Tinha o terror de estar a seguir uma enfermeira, e depois as coisas correrem mal.
Às tantas a enfermeira fez uma espécie de proposta com sabor a ultimatum: se quiseres eu faço-te o soro e ficas aqui a rebolar com dores, ou então vens comigo para a sala de parto e eu peço uma epidural! Ora aqui está uma enfermeira cheia de poder de persuasão!
Isto dito assim até parece que eu queria imenso uma epidural, mas a verdade é que eu estava tão numa outra dimensão que só conseguia pensar em dores, dores, dores e nada mais. Consenti a que me fizesse então o toque, com muito jeitinho, para ver como estavam as coisas.
Lá me arrastei pelo meu pé até à sala da triagem, e a resposta dela foi tão simplesmente: estás com 8 para 9 dedos de dilatação! Olha, epidural, esquece! (e eu só pensava nas dores, nem reagi).
Chamaram o Tê, que apareceu a sorrir todo contente e eu nem conseguia falar. Fiz-lhe sinal com os olhos para levar o telemóvel e as coisas. Pediram para assinar uns papéis, eu só dizia "não consigo", para me levantar da maca "não consigo", não conseguia fazer nada. Aparvalhada, já o disse.
Entre uma contracção e a outra (com meros segundos de intervalo) lá fui pelo meu pé para a sala de partos (a última do corredor). Chegando lá foi a confusão que se instalou - suba para a cama "não consigo", deite-se "não consigo", nem falar eu conseguia... Entraram e saíram várias pessoas, eu sem saber se são médicos ou enfermeiros, quem é quem, sem saber se posso fazer força, fiquei deitada, imóvel, a curtir a dor porque nem tinha força para mais nada...
Eis se não quando, qual D. Sebastião envolta em nevoeiro, entra a minha médica, que tinha saído da reunião. Para mim foi como se entrasse um anjo na sala, uma pessoa em quem realmente confio.
Só lhe perguntei se já podia fazer força, ela disse que sim, e eu pensei, claro " não consigo!". Mas com a ajuda do Tê, e dela, claro que consegui.
E fiz força. Muita força. E gritei e apertei o braço do Tê, e fiz mais força, não muitas vezes até que finalmente o Tê me diz já lhe via a cabeça, e eu olhei (estava praticamente sentada) e vi-a claramente a sair de dentro de mim.
Clichés à parte, é sem dúvida a sensação mais incrível do mundo, e única, apesar de não ter sido a primeira vez...
Ela, que chorou mal saiu, veio para o meu colo de imediato, e calou-se, aninhou-se e ali ficou, ainda completamente suja, aconchegada no meu colo.
Foi o supremo alívio e a maior felicidade.
Indescritível.
Algum tempo depois levaram-na com o Tê para a limpar e vestir, e só quando o Tê regressou com ela no colo e aquele papel cor-de-rosa com o nome e o peso na mão é que eu me desfiz a chorar: a nossa filha tinha mesmo nascido...
Tudo isto se passou num total de 3 horas, já que eu comecei com dores em casa às 6h30, e às 9h30 ela estava cá fora.
Não sei como é que as pessoas aguentam partos intermináveis, com dores intermináveis horas a fio (e aqui fica a minha vénia de respeito).
A minha perspectiva de vida mudou ao ter um parto assim.
É uma coisa de que me orgulho por ter conseguido ultrapassar, e faz-me ter um enorme respeito por todas as mulheres que pariram com dor, e em condições muito piores que eu, que estava no hospital, com todos os cuidados médicos que poderia ter.
No próprio dia não me sentia capaz de voltar a passar por isso, mas agora, claro, a intensidade da dor já desvaneceu...
Foi tudo bastante confuso, e aquela situação do nasce-não nasce fez-me sentir claramente num hospital público. O médico diz uma coisa mas a enfermeira diz outra, quando cheguei à sala de partos nem sabia quem era médico ou enfermeira, todas as batas eram diferentes, e do meu conhecimento dos partos no privado, tudo corre de modo mais calmo. isto, claro, é a minha perspectiva, porque tive os dois filhos na MAC, não posso de facto, comparar.
Continuo a confiar a 100% na minha médica, apesar do erro de diagnóstico - eu estava claramente em trabalho de parto, e ela a querer parar o processo nem sei porquê - ou melhor, sei, porque ela gosta mesmo de ser ela a fazer os partos das suas grávidas, e como estava prestes a ir embora e não se sabia quanto tempo ia demorar, cometeu este erro. Não a censuro, pois estava ali a trabalhar há 24 horas, e eu sei que nessa noite houve um boom de partos e que a maternidade estava cheia. No final ela acabou por ficar até bem depois da sua hora da saída só para me acompanhar, e isso para mim foi super importante.
Da outra vez tudo se passou de um modo mais calmo, eu consegui fazer tudo sem ter dores, estas só chegaram já eu estava deitada na sala de partos, e apesar de a epidural ter sido fraquinha, e eu nunca ter deixado de ter dores, consegui controlar as ditas, consegui respirar com calma, fazer força de modo correcto no momento da expulsão. Para isso também contribuiu o facto de ter comigo a minha tia pediatra, que me acalmou e me disse exactamente o que fazer.
Desta vez nem houve tempo para nada, sinto que foi tudo uma confusão, não consegui recuperar o fôlego, mas no fundo acabou por correr tudo bem na mesma, e foi consideravelmente mais rápido. O facto de ter feito a dilatação toda a andar de um lado para o outro, por muito que me tenha custado, foi claramente positivo. Se calhar se não tivesse havido dúvidas em relação ao trabalho de parto tinham-me deitado numa cama de imediato e as coisas tinham demorado muito mais. Nunca vamos saber...
Apesar de tudo, de todas as dores que tive e de tudo o que se passou, fico muito contente por tudo ter decorrido de forma natural, no dia que ela (e meio Portugal) decidiu nascer, sem interferência de nada, no fundo, como a natureza dita que os partos devem ser.
Por outro lado, acho que se uma pessoa tem pouca resistência à dor, ou se tem medo do parto, o melhor mesmo é combinar com o médico e fazer uma indução com toda a tranquilidade, e parir sem chegar a sentir dor.
Porque, de facto, não é pêra doce.
Quanto a mim... claro que o dia do nascimento da minha filha foi perfeito, claro que não mudava nada porque tudo contribuiu para que as coisas corressem bem, claro que tenho o maior orgulho em poder dizer que sei o que é ter um filho sem ajuda de nenhuma epidural, analgésico ou droga de qualquer tipo.
Se me perguntam se quero ter um 3º filho da mesma maneira, a minha resposta tem de ser: tenho muito tempo para pensar no assunto.
Aquando do nascimento do Pedro, entre uma contração e outra, só pensava "doi demasiado. Não tenho outro filho". Mas sim, tens a tua Ema, isso é que conta!
ResponderEliminarBJS
(delicioso o teu post da praxe)
Não consegui deixar de chorar ao ler o teu relato. Emocionei-me, muito.
ResponderEliminarFoste muito valente e dou-te os meus parabéns.
Também fui mãe recentemente e tudo aconteceu na MAC; foram impecáveis, mas o trabalho de parto demorou 15 horas.
Já estava de 40 semanas e 4 dias, ela também nasceu quando quis, não houve indução, mas foi complicado.
Forceps, bloco cirúrgico e eu tb não estava nada bem.
O pai da minha filha tinha decidido trair-me e ir viver com outra estava eu grávida de 8 meses e tive que lidar com tudo só...passei pelo parto sozinha, sem o ombro da outra parte para me apoiar.
Enfim, acabei por não viver o parto na sua plenitude e obviamente que sofri, para além de ter sido um parto muito difícil.
Mas não me deixou traumas a esse nível (fiquei com outros, infelizmente) e gostava de passar pela experiência um dia mais tarde, com tudo a que tenho direito.
Muitas felicidades
Nem sei o que dizer Mary... a Ema é linda e tu uma GRANDE MULHER!
ResponderEliminarNem pensar que se tiver direito de escolha vou optar por parto natural. Senti metade da força das contracções enquanto a epidural não fazia efeito... e dispenso dores semelhantes no próximo filho. Pff droguem-me até à medula!
ResponderEliminarAdorei ler este post e sentir a alegria que paira por aí!!! A minha experiência não tem qualquer semelhança com a tua... o que me deixa aterrorizada até hoje...
ResponderEliminarPor isso gosto tanto de "ver" estas realidades. Foste uma valentona!!!
Mais uma vez muitos parabéns!!!
beijocas***
ainda há uns dias atrás falava nisso: há partos e partos e eu sempre pari com imensa dor. No último disse: se houver próximo só com epidural. E agora quando te li revivi tudo e foi estranho. Não sou mãe d eprimeira viagem, como tu sabes, mas deu um medinho de ir passar por tudo outra vez!
ResponderEliminarAs mulheres são mesmo corajosas. Viva para ti, viva para nós!