quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

366 dias de saudades

Que são mais, porque quando se parte devagarinho acaba-se por morrer mais cedo, apesar do coração continuar a bater.

O meu pai fumava cachimbo desde a adolescência, tinha nisso o maior prazer e orgulho, e fazia com que pertencesse a uma espécie de clube privado (a nível mundial), pois são poucos os que hoje em dia o fazem.
O cheiro do cachimbo e do tabaco de cachimbo está para sempre associado a ele e às suas coisas.

Era um leitor inveterado, lia de (quase) tudo, e comprava livros compulsivamente. Também era devorador de jornais, que comprava diariamente, tendo ao longo da vida travado inúmeras amizades com senhores de tabacarias onde fazia as suas compras. Não resistia a uma coleção de fasciculos, livros de receitas, BD, livros infantis, ou o que for que o jornal oferecesse.

Não resistia a uma promoção, de resto.

E fazia amizade com pessoas de qualquer estabelecimento que frequentasse mais do que uma vez - dizia uma piada, contava uma história, e estava a ligação feita.

Foi sendo assim ao longo da vida toda, com todas as pessoas que com ele se cruzaram, por isso foi sempre adicionando pessoas à sua vida, muitas mais do que as que foi perdendo. Estagiários do escritório por exemplo, foi mantendo o contacto com tantos deles, mesmo anos e anos depois de acabarem o estágio e irem trabalhar noutros sítios. Foi bom a manter as amizades, a combinar almoços e manter o contacto.

Acho que quase podemos contar pelos dedos o número de filmes ou séries que viu ao longo da vida - era zero cinéfilo.

Ouvia música clássica, fado e mais recentemente alguns cantores do momento. Não ligava nada a modas e tinha gravatas e peças de roupa com mais de 30 anos.

Metódico nas suas rotinas, repetia os mesmos gestos, pela mesma ordem, todos os dias, anos a fio.

Era o irmão mais velho, o primeiro de 9, e assumiu muito bem esse papel  - tinha uma relação especial com cada um, e era a voz da razão, da serenidade, do apaziguamento, sempre respeitado por todos.

Fervia em pouca água, era preciso pouco para lhe saltar a tampa (pelo menos connosco), mas também rapidamente lhe passava - jamais ficava a remoer nisto ou naquilo, dizia o que tinha a dizer, gritava e barafustava, esvaziava o saco e voltava ao normal em menos de nada. 

Sempre nos disse e deixou claro a importância que tínhamos na sua vida - e isso é o mais importante. Viveremos com este amor até ao fim das nossas vidas.

Já passou um ano, e que ano este!
Saudades é pouco para exprimir o que sinto, mas não digo mais nada porque ele ia achar uma "pepineira" e chamar-me de "patarata" e "possidónia".



5 comentários:

  1. Ahahahah! Adorei o fim, os pais são tramados. O Filipe também diz coisas semelhantes à Beni... As meninas são assim. Faz parte.

    A falar sem conhecimento de causa, pensa que tiveste a sorte de ter um pai incrível! E que estará sempre presente em milhares de coisas no teu dia-a-dia.

    Beijinhos!

    ResponderEliminar
  2. Mary, gostei tanto deste post. Tão bonito.

    ResponderEliminar
  3. É isto, sem tirar nem pôr! Ou não fosse o pai omesmo. Muito orgulho, minha possidónia, eheh

    ResponderEliminar