quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

2020 em revista

 Eu sei que este ano tem muitas faces, e que foi acima de tudo o ano da pandemia, mas para mim foi, antes de tudo o resto, o ano em que perdi o meu pai.
Comecei a perde-lo em 2019, é certo, e penso que ele nem teve muita consciência de ter entrado em 2020, mas caramba foi o pior início de ano de que há memória. Dias passados nos corredores do hospital, tão longos que nem temos noção do seu tamanho (os dias, não os corredores)... o sol nascia e a noite chegava e o tempo parecia que estava em suspenso.
Foi em 2020 que o perdemos, que o enterramos, que ficámos sem chão e sem raizes.
Foi em 2020 que desfizemos a casa dos pais, que é talvez um processo tão transformador como ter um filho (ou quase) - foi duro, difícil, trabalhoso, demorado, uma montanha russa de emoções (acho que rimos e chorámos na mesma proporção). 
Foi em 2020 que cumprimos uma promessa feita há tantos anos, e fomos deitar as cinzas dos dois no sítio combinado.
Foi em 2020 que fizemos um luto onde couberam dois, e foi tão mais difícil como foi solitário e isolado, um processo muito íntimo a que a pandemia obrigou.

Em Março o mundo parou, e vivemos aquilo que nunca imaginámos.
Para mim foi uma quarentena de luto, em que me vi privada da companhia das minhas irmãs e sobrinhos e de todos os lugares onde me refugio quando preciso de encher o coração de boas energias. E foi difícil.

Da quarentena cá em casa guardo a mãe-nazi que emergiu, e que eu bem desconfiava que existia, mas tive a certeza. Em caso de caos eu sou a mãe que organiza, nada tendes a temer - fiz planos, estabeleci horários, cumpri rotinas, obriguei a sair, a fazer exercício, controlei tecnologias, estabeleci tempos de leitura. Fiz litros e litros de sopa, caramba, tanta sopa que se come nesta casa! Limpei o chão e a bancada da cozinha mais vezes do que consigo contar. Fiz pizza todas as sextas feiras durante meses.
Tentei controlar o caos, e o caos tentou controlar-me a mim. Ficámos quites, acho eu.
Tentei não dar em louca com a escola em casa, mas nisto acho que não fui bem sucedida. Os miúdos odiaram, eu odeiei e jurei para nunca mais.
Passeámos muito, caminhámos muito, descobrimos muitos caminhos desconhecidos aqui na zona. Os fins de semana tornaram-se muito mais calmos sem as 1001 atividades a que estavamos habituados.

Senti muito a falta do trabalho que perdi. E perdi-me um bocado no meio disto tudo, perdi o fio à meada. Muitos colegas encontraram outras coisas, eu não consegui - profissionalmente demorei a reagir, talvez porque não consegui ter cabeça para me reinventar (estava ocupada a fazer sopa e apagar fogos, se bem que ninguém me atribuiu essas funções!). Passada a crise ficou o que tinha de ficar, foi o que tinha de ir (e que eu espero que regresse) e aos poucos tudo se há-de compor.

O verão passou marcado por um desconfinamento progressivo, uma semana de trabalho intenso, uma formação importante e transformadora, uma pausa no ter os miúdos 24h connosco que nos soube tão bem (a todos).
Das férias guardo as melhores recordações (para que fique registado: Armona, Anadia e Aljezur).

O último trimestre trouxe o tão desejado regresso às aulas, regresso às atividades extra curriculares, ao leva e trás que tanto sentia a falta, mas ainda assim muito diferente dos anos anteriores. 
Trouxe também uma oportunidade de voltar a dar aulas, um projeto giro porque depende só de mim e que me faz acreditar que talvez deva voltar a transformar a minha vida profissional.
Ficámos isolados 14 dias, e eu jurei para nunca mais.
Também tive um maior foco na minha saúde, melhores hábitos alimentares e exercício feito com mais empenho, e com resultados visíveis, o que é sempre motivador. A operação bikini 2021 está em alta!

Em 2020 li 28 livros, não fui ao cinema, nem ao teatro nem a um concerto nem uma vez. Vi poucas exposições. Vi um total de 3 filmes e nenhuma série. Devo ter passado demasiado tempo nas redes sociais (e a fazer sopa, já se sabe).

Foi um ano difícil, esquizofrénico, transformador e inesquecível.

2021 vem já com altas expectativas - vamos ver se consegue superar.
Feliz ano novo, leitores!

(anos anteriores em revista aqui e aqui)

2 comentários:

Cartuxa disse...

Anyes a sopa que rolos de carne. Just saying. ❤️ We're still standing. Com ou sem raizes. We're still standing.Better than we ever did ainda não, mas lá chegaremos. ❤️

Tella disse...

Gostei tanto de ler. Obrigada.