quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Mais de 1 mês (quase 2)

Já fez mais de 1 mês que partiu o meu pai.
Um só mês, quase dois, que pareceu infinito.
De repente todos aqueles dias e noites passados no hospital parece que foram noutra vida.
E foram.

Mas no meio de toda a tristeza foi bom ter tido tanta gente ao nosso lado, e perceber a importância que ele teve para tanta gente, muita eu nem sequer conhecia.
Foi um homem que foi bom a tudo: foi bom filho, irmão, marido, pai, amigo, colega, chefe.

Foi ao longo de toda a minha infância a medida para todos os homens. Tudo aquilo que o meu pai era e fazia, para mim era o que todos os homens eram e faziam. Os homens nunca tinham frio porque o meu pai não tinha frio. Os homens nunca dormem até tarde, porque o meu pai sempre madrugou. Os homens nunca ficam doentes, os homens são fortes, não têm papas na língua, dizem tudo o que pensam.
De mão dada com o meu pai eu era capaz de tudo, não havia onda maior do que a força dele!
Depois cheguei à adolescência e percebi que não era bem assim. E comecei a ver que o meu pai era tudo aquilo que um homem não devia ser: era conservador, não gostava de festas, não me deixava fazer nem um terço do que eu queria. Um pai infernal, portanto.
Não me deixou ir ao concerto dos Guns and Roses em 1992, nem aos Nirvana no Dramático de Cascais em 1994 e eu na altura não lhe perdoei!
Chocámos que nem gente grande, até porque éramos completamente iguais.
Eu sei que fui ao longo da vida desafiando tantas das suas ideias fixas, e uma a uma foram caindo por terra. Nunca se opôs a que eu fosse viver sozinha. Nunca se opôs à nossa ida para a Holanda. Nunca me disse nada em relação ao facto de não termos casado.
Viveu sempre de acordo com aquilo em que acreditou, e sempre o assumiu com toda a frontalidade. Era, para minha vergonha, espanto e admiração, para lá de politicamente incorrecto!
Dizia e fazia o que lhe dava na gana, e se houve alturas em que me quis enfiar num buraco com vergonha, hoje admiro-o tanto por isso.
Foi um cuidador incansável quando a minha mãe adoeceu. Esteve lá para ela sempre, e também nisso foi a medida de todos os cuidadores. Admirei tanto a reação que teve à sua morte, a forma como levou a sua vida por diante com a sua independência que tanto o caracteriza.
Com rotina e desgaste e tantos anos de convivência, os meus pais tiveram uma história de amor que quase supera as de ficção.

E é isso que nos fica - o Amor deles um pelo outro, e ainda mais o seu amor por nós.
Já fez um mês, quase dois, e parece que foi noutra vida, mas também parece que nunca aconteceu.
Sinto muito a falta daquela mão que era capaz de me proteger de tudo, mas sei que como ele, também nós vamos ficar bem.

3 comentários:

Cartuxa disse...

É mesmo isto, caramba!!

Rita PP disse...

Parece que vi um filme nas tuas palavras. 1 beijinho muito amigo

Monja disse...

Desde que te leio que acho que ninguém que conheça é capaz de descrever tão bem o que sente como tu. Conheci o teu pai como pai da Z. e avô dos filhos dela. Mas ele nunca era só isso. Em todas as conversas aparecias tu e os teus filhos, a F. e os filhos dela. Quem o visse e ouvisse percebia que era muito mais do que mostrava. E é esse mais que tu aqui mostras. Admirei-o desde o primeiro dia. Vou admirá-lo sempre. Um beijinho grande.