sexta-feira, 8 de maio de 2020

Casa vazia, coração cheio

... mas com um buraco gigante no meio.
Entregamos a chave de casa do meu pai na semana passada, e desde então a sensação de vazio tem sido uma constante.
Era uma coisa que me ocupava a cabeça desde a sua morte, e ultimamente então preocupava-me imenso pensar em ter sítio onde por os móveis, o que fazer a tantas coisas que não conseguimos absorver nas nossas casas.
Achei que, tal como em quase tudo o resto, uma vez que estivesse feito iria dar uma sensação de liberdade e dever cumprido - aquela coisa de riscar um item da lista de afazeres ("to do list" é mais blogosfera mas pronto), ainda mais um item que se arrastava há vários meses (fim de semana atrás de fim de semana).
Enganei-me.
Foi-se a preocupação, mas caramba, ficou um buraco sem fundo que nem sei como preencher.
Mesmo na ausência dos pais, a casa dos pais é sempre um porto de abrigo, um lugar seguro e neutro, onde a família se reúne e encontra sem haver anfitriões. É sempre um lugar de regresso a casa, à família, à infância, à pessoa que nós fomos antes de sermos tudo o que somos agora.
Ficar sem ela foi mesmo ficar sem raiz.

Desfazer a casa dos pais é um processo complexo, do qual não saímos da mesma forma que entramos. Mal comparado, é como ter um filho: sabemos que nos vai transformar, mas não sabemos o quanto nem como.
No fundo, é como uma montanha russa.
As minhas irmãs e eu temos tendência para levar tudo a rir, para simplificar.
Visto de fora até parecia que estávamos na maior, e de certa forma até estávamos, mas caraças que dar de caras com diários, fotografias, cartas, bilhetinhos escritos por nós em cada bolso, mais as toalhas e loiças que nos lembramos de toda a vida, os quadros com tantas histórias para contar, os livros, senhores, só os livros levaram dias inteiros a dividir e organizar, e toda uma panóplia de objectos que nos dizem tanto, mas que não podemos nem conseguimos guardar.
É brutal.

A única coisa positiva no meio disto tudo é que somos três.
E como os meus pais estiveram juntos até ao fim, a casa era só uma (e que felizes que fomos ali, nos últimos 10 anos).

Valha-nos também o facto de estar feito.
Por isto não teremos de voltar a passar.

3 comentários:

Tella disse...

Um beijo grande Mary.
Este post (e tantos outros) e4a razão de gostar muito de ti e de te ler.

Cartuxa disse...

Tenho dito a mim mesma, vezes sem conta, tipo mantra, algo que ja fiz quando desmanchámos a nossa casa de infância: as memórias somos nós, não é a casa. Mas custa , sim. Ficamos sem chão, é o que sinto. Mas estamos à tona, agarradas umas às outras, proibidas de ir ao fundo!! Estilo: se te afogas, bato-te. Adoro-te. Em boa hora vocês apareceram na minha vida

Raquel disse...

Há coisas que não dá mesmo para imaginar... esta é uma delas. E ter duas irmãs espetaculares é uma verdadeira benção.