terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Livro 4/2022

 

Se isto é um homem, de Primo Levi

Daqueles clássicos que era quase uma vergonha nunca ter lido, trazido da biblioteca mais uma vez por estar nos destaques.
Nunca tinha lido nada deste autor, e também nunca tinha lido um relato do Holocausto contado na primeira pessoa. E de repente percebemos de onde vêm as ideias que vamos vendo em livros e filmes, mas da perspetiva de quem lá esteve mesmo, e sobreviveu para contar.
À parte todas as atrocidades que de uma maneira ou de outra não são novidade, impressionou-me profundamente o próprio conceito do livro - um retrato sobre a natureza humana, sobre o que faz de nós de facto humanos, o que resta de nós quando tudo o que conhecemos nos é retirado - a casa, as coisas, a família, o cabelo, a capacidade de decidir seja o que for.
Fiquei a pensar na forma como cada um reage a essa situação, e no modo como aquilo que somos em sociedade desde a pré- História se repete uma e outra vez.
Dois exemplos.
O autor descreve alguns companheiros que o marcaram de uma forma ou de outra, e há um que todos os dias fazia questão de se "lavar" (com água suja e fria, sem sabão, com o perigo de ter as suas "coisas" roubadas ou de ficar doente) por dizer que era a única réstia de humanidade que lhe sobrava - toda a vida este senhor tinha lavado o rosto todas as manhãs como forma de começar o dia, e ali fazia questão de fazer o mesmo, de não se abandonar.
Eu identifiquei-me com este senhor no sentido da tentativa de organizar o caos, de tentar que alguma coisa faça sentido. Mal comparado assim o fiz nos confinamentos, todos os dias houve uma rotina definida, houve higiene feita de manhã e à noite, houve roupa vestida e cabelos penteados mesmo que fosse para ir do quarto para a sala e vice-versa - foi a minha forma de não me deixar levar pela insanidade, e não é melhor nem pior do que todas as outras! E também ali no campo de concentração não houve certos nem errados, houve formas de lidar com a situação diferentes - umas terão contribuído para a sobrevivência, outras não.
O outro exemplo tem a ver como mesmo sem possuir nada de nada, a relação comercial entre as pessoas prevalece. Um pedaço de guita, uma colher, uma taça, botões, tudo eram verdadeiras preciosidades que valiam mais do que o ouro, e que tal como na vida, alguns estão dispostos a tudo para adquirir. A troca e a negociação são intrínsecas à nossa condição humana. O preço era atribuído em porções da ração de pão, tinha variações consoante a situação em que se encontravam - na enfermaria, por exemplo, os "preços" estavam inflacionados.
Até quando os alemães abandonam o campo e antes da chegada dos russos 10 dias depois, a forma como os que ficaram para trás se organizam para subsistir nos mostra tanto do que é a natureza humana, do que é um homem afinal.
O livro termina no dia da libertação de Auschwitz - 27 de Janeiro 1945 - e eu por total coincidência terminei-o no mesmo dia, exatamente 77 anos depois.
Dei 5 estrelas e acho que é de leitura obrigatória.

1 comentário:

Cartuxa disse...

É arrepiante, sim.