sexta-feira, 10 de julho de 2009

Caixa de Pandora

Já está, agora não há volta a dar. Entrei no circuito e agora só volto a sair daqui a uns anos valentes (15 anos? 20? Mais!)

Não sei se acontece o mesmo em todas as famílias grandes, mas na minha há um circuito que percorre o lado feminino da família, mais propriamente o circuito das mães ( e agora das avós).
Sempre que a malta se encontra, e não é tão poucas vezes quanto isso (2 vezes por mes há jantar com todos) há um tráfico de sacos e sacos de roupa de criança.
Pois é. Há uma tradição secular neste país de os mais novos vestirem a roupa dos mais velhos, passando de irmão para irmão nos tempos em que eram muitos, e agora de primos para primos e primos para primos dos primos e filhos dos amigos.
A roupa passa de uns para outros, pois quando deixa de servir há sempre alguém a quem sirva.
Sempre vi as minhas tias trocarem sacos e sacos de roupa com a minha mãe, roupas que vinham do Porto, roupas daqueles primos afastados que nem sabemos o nome, sacos e mais sacos de t-shirts, calças, meias, pijamas, vestidos e tudo o que se possa imaginar.
Cada mãe abre depois cada saco, observa o que serve e não serve, separa por tamanhos e estaçoes, e o que não quer passa para outra mãe, num ciclo interminável.
Lembro-me bem quando vinham sacos da minha prima que tinha imensos vestidos giríssimos, e da excitação que era prova-los. E não é raro ouvir os mais velhos dizerem aos mais novos nos encontros de família "Olha! Estas calças! Eu adorava!"
As minhas irmãs cada vez que se veem dão um abraço e trocam sacos de roupa: do mais velho de uma para o mais velho da outra, do mais velho da outra para o mais novo da primeira e assim sucessivamente.
Parecem contrabandistas.
Num circuito fechado e eterno, a roupa é passada de mão em mão, e usada por geraçoes de crianças.
Quando uma tia ou prima quer deixar o seu saco a uma das minhas irmãas deixa-o em casa da minha mãe (que não consegue sair do circuito nem que queira!).
Há sempre sacos de roupa à espera de ser levados para casa por alguém, devidamente etiquetados (ou não).

E é assim que o circuito ganha um novo elemento. Ao fim de 31 anos e 6 meses de gravidez (vá lá, consegui esticar o mais que pude), fui jantar a casa da minha irmã e sem nada o fazer prever, vim de lá com um saco de roupa.
Quando dei por ela estava ajoelhada em frente ao armário a tirar jardineiras, camisolinhas de algodão, carapins, sobretudos, calçoes, ténis e pantufas, de sacos devolvidos para um novo saco pronto a passar.
Ensinou-me ela que agora tenho de separar a roupa por épocas (Primavera, Verão, etc) e ir tirando conforme a necessidade.
Ainda tentei resistir, negar, fugir a correr pelo corredor fora, dizer que não tenho onde guardar, que não gosto dessas cores, que tudo me parece enorme, que temos tempo para estas coisas, que não dá jeito porque tenho de me ir embora, mas de nada me serviu...
Agora já não há retorno.
Quando sair do circuito já devo ser avó.


ADENDA:
Acabadinha de clicar em "Publicar Post" recebo a seguinte sms da mana mais velha:
"Estás em casa hoje à noite? Levo berço e saco grande de roupa p baby, podes escolher à vontade e devolver o que não queres. Passo aí e deixo tudo."
Eh eh eh

6 comentários:

quase contrabandista adulta disse...

Pois então prepara-te! Logo à noite dou-te um abraço e passo-te um berço de verga com respectivos adereços (estás com sorte, levo tudo lavado!) e um big saco de roupa para os primeiros tempos... Sê muito bem vinda ao clube que faz maravilhas pelos orçamentos domésticos! É que agora nosso menino vai andar vestido pra todas as ocasiões e só compras mesmo aquilo a que não consegues resistir! Ser contrabandista de roupa usada dá trabalho, é certo, mas poupa dores de cabeça...E é giro ser adulta há já uns tempos (poucos...também uso creme e tal, estou bem conservada...lol)e ainda ver as sobrinhas com os meus vestidos! Hoje em dia o material não resiste 30 anos mas vai dando!E pronto, não precisas agradecer! Eh, eh... cresce e aparece... nem que seja à força de apanhares com uns sacos de contrabando!

raquel disse...

Lol e que jeitão isso dá e o dinheiro que vais poupar! Aqui para estes lados o Francisco vai usar roupa do Manana, do Pipo e alguma minha (cores neutras)e já me parece muito...imagino no teu caso...

Tella disse...

A tua família é única!
A roupa vai dar-te um jeito enorme...

BJS

mãe dadora de joelhos disse...

A questão que aqui não foi focada é esta: não é só o jeito que dá receber roupa, mas também ojeito que dá dar a roupa que já não serve, porque não temos que guardar pilhas de roupa ainda perfeitamente aproveitável e de que não nos queremos desfazer de vez (porque talvez um dia, quem sabe...) Assim vai circulando e mantém-se activa. Mas não te preocupes, há sempre peças de que não gosto ou que estão já muito usadas e que nem saem do saco, seguem logo para outra pessoa qualquer, ou ficam à espera que algum sobrinho cresça...

Isabel disse...

Que sorte... vai dar-te muito jeito vais ver... eu aceitei tudo o que me deram/emprestaram.

"fartadesacos" disse...

Pois é...quem não se vai ver livre desses sacos circulantes sei eu muito bem quem é...! Já estou mesmo muito farta de saco para cá e saco para lá. Sim porque o ponto de encontro desses fatídicos sacos é cá em casa... E eu já ando nessa ronda há muitos MUITOS anos... que seca! Mas que se economiza muito MUITO! isso é verdade, é muito bom.